Parte do dia é minha tristeza.
Agora sou assim, meia saudade e muito amor.
Contaram que ela sempre foi assim. Desde pequenina tinha dessas coisas. Quando seu pai perguntava onde tinha ido, dizia “Ali.”.
Ninguém nunca conseguiu compreender. Nem ela mesma se entendia. Tinha dessas coisas. Achava que todo mundo tinha, mas não sustentava essa idéia e logo percebia que era apenas impressão. Só ela era assim, só ela tinha disso. E por ser incomum sentia angústia, rejeição. Ela queria ser como as outras, mas não conseguia.
O que acontece é que ela nunca conseguiu conter o seu coração, ele sempre foi dono de si próprio e amava desmedidamente. Não gostava, portanto, de dizer para os outros aonde seu coração a tinha levado. Ela apenas o seguia.
Amava o cachorro que passava, o vento que refrescava seu rosto, a água corrente ou parada, a pessoa que nem olhava para ela, o morador de rua que pedia-lhe ajuda, as flores caídas ao chão ou vivendo nas árvores. Tudo amava. Se seu pai soubesse de tudo que esse músculo tinha levado sua filha a fazer, teria mandado tirá-lo do corpo dela.
E por mais angústia, por mais vergonha, ela nunca quis se desfazer daquele coração. Ele era seu, parte dela. Se era desmedido e inconseqüente, é porque ela era assim também. Isso ela pensava. Pois apesar de aparentemente tímida e acanhada, quando seu coração mandava fazer algo, seja o que fosse, ela obedecia.
Contaram também que ainda hoje, depois de velha, ela obedece aquele coração que mesmo encanecido continua desmesurado. Basta ser do conhecimento dela que se torna capaz de seu amor.
Ninguém entende como é possível tanto amor. Mas ela sempre foi assim, sempre teve dessas coisas de sair amando por aí.